quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

O Mensageiro da Cruz - uma reflexão sobre os que pregam o Evangelho

Ultimamente muitas pessoas parecem estar cansadas de ouvir a palavra da cruz. Entretanto, agradecemos e louvamos a Deus Pai por Ele ter reservado para Seu próprio nome muitos fiéis que não dobraram os joelhos a Baal. Todavia, sinto que há algo que os fiéis servos de Cristo devem conhecer. Por que, após haverem labutado tanto na pregação a respeito da cruz, os resultados têm sido tão desencorajadores e as pessoas não têm tido muita mudança em sua vida após ouvir a verdadeira Palavra de Deus? Penso que esse problema é digno da nossa maior atenção. Nós, que laboramos pelo Senhor devemos entender por que os outros não são subjugados pelo evangelho que pregamos. Espero que possamos orar calmamente diante do Senhor e pedir que o Espírito de Deus ilumine nosso coração a fim de sabermos onde se encontra nossa falha.
No tempo presente, deveríamos atentar à palavra que pregamos. Não precisamos mencionar os que pregam o falso evangelho. A crença deles de qualquer forma está errada. O que pregamos é a crucificação do Senhor Jesus Cristo e como ela salva os pecadores da condenação do pecado e do poder do pecado. Ao pregar, damos muita atenção ao esboço, à lógica e ao pensamento. Fazemos o melhor que podemos para tornar nosso falar claro. Dessa forma, mesmo a pessoa mais iletrada pode entender. Também damos atenção à psique do homem e empenhamo-nos o máximo em nossa eloqüência para corresponder ela. O que pregamos é verdadeiro e bíblico: o nosso tema é a cruz do Senhor Jesus. Sabemos que o Senhor Jesus morreu pelos pecadores na cruz para que todo o que Nele crê seja salvo à parte de qualquer obra. Também sabemos que a crucificação do Senhor Jesus não visa somente a substituição, mas também a crucificação do pecador e juntamente com ele seu pecado. Conhecemos a maneira de ser salvos. Sabemos como morrer com o Senhor, como aplicar a morte do Senhor pela fé e como morrer com Ele a fim de lidar com o pecado e o ego. Também temos clareza acerca de outras doutrinas afins na Bíblia. A nossa pregação é apresentada de maneira exata e clara para que qualquer dos ouvintes possa compreendê-la. Os ouvintes prestam muita atenção a nós quando pregamos a cruz do Senhor; eles gostam dela e são tocados por ela. Podemos mesmo ser dotados de eloqüência e ser aptos a apresentar a verdade de modo persuasivo. Podemos pensar que nossa obra é muito eficaz! Sob tais circunstâncias, deveríamos ver muitas pessoas recebendo vida e muitos crentes ganhando a mais abundante vida. Entretanto, os resultados são contrários ao que esperamos. Embora os ouvintes sejam tocados no local de reunião, eles não ganham qualquer coisa que esperávamos vê-los ganhar após deixar o local de reunião, muito embora as palavras ainda estejam frescas na mente deles. Eles não têm qualquer mudança em sua vida. Entendem o que pregamos, mas isso não tem qualquer influência em seu viver diário. Apenas armazenam no cérebro a palavra pregada. Eles não a aplicam no coração.
Uma possível explicação para isso é que o que você possui é apenas eloqüência, palavras e sabedoria. É como se atrás de suas palavras não houvesse o poder que toca o coração das pessoas. Você tem as melhores palavras e a melhor voz, contudo atrás das palavras e da voz você não tem o tipo de poder que "controla" a vida das pessoas. Em outras palavras, você pode fazer com que as pessoas ouçam-no atentamente no local de reunião, mas o Espírito Santo não coopera com você. Portanto, seu labor é ineficiente e não produz resultados duradouros. Suas palavras não conseguem deixar marca duradoura na vida das pessoas. Apesar de da sua boca fluírem palavras, de seu espírito não flui vida para alimentar, levantar e vivificar os ouvintes que perecem.
Nos últimos anos, o Senhor tem-me dito para ser cuidadoso quanto a esse tipo de pregação. Não almejamos ser oradores populares (nosso Senhor é doador de vida). Nós almejamos ser canais de vida, conduzindo-a para dentro do coração das pessoas. Ao pregar a cruz, deveríamos ter a vida da cruz fluindo para a vida de outros. A coisa mais lamentável a meu ver é que, embora muitos preguem a cruz hoje, as pessoas não têm ganhado a vida de Deus. Elas parecem concordar com nossas palavras e recebem-na alegremente; contudo, não têm recebido a vida de Deus. Muitas vezes, enquanto pregamos a morte substitutiva da cruz, os homens parecem entender o significado e o porquê da substituição, e ser tocados no momento. Entretanto, não podemos ver a graça de Deus operando nos ouvintes a ponto de, verdadeiramente, obterem a vida regenerada. Pregamos também a co-crucificação e a explicamos de maneira bem clara e comovente. No momento em que as pessoas ouvem, podem orar e decidir-se a morrer juntamente com o Senhor e a ganhar as experiências de vencer o pecado e o ego. Mas após tudo haver terminado, não as vemos ganhar a mais abundante vida de Deus. Tais resultados entristecem-me muito. Isso faz com que me humilhe diante do Senhor a fim de buscar a Sua luz. Se tiver a mesma experiência que eu, espero que você se contriste diante do Senhor como eu e arrependamo-nos das nossas faltas. O que nos falta de fato no momento são homens e mulheres que preguem a cruz, contudo o que mais necessitamos além disso são pregadores que preguem a cruz no poder do Espírito Santo.
Leiamos agora a Palavra de Deus. Paulo disse: "Eu, irmãos, quando fui ter convosco, anunciando-vos o testemunho de Deus, não o fiz com ostentação de linguagem ou de sabedoria. Porque decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo e este crucificado. E foi em fraqueza, temor e grande tremor que eu estive entre vós. A minha palavra e a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder" (1 Co 2:1-4). Nesses versículos vemos três coisas: 1) a mensagem que Paulo pregou; 2) a pessoa do próprio Paulo, e 3) a maneira com que Paulo pregou sua mensagem.

A MENSAGEM PREGADA POR PAULO
A mensagem que Paulo pregou foi o Senhor Jesus Cristo, e este crucificado. O assunto da sua pregação foi a cruz de Cristo e o Cristo crucificado. Ele nada sabia exceto isso. Se esquecermos da cruz e não fizermos dela e de Cristo nosso único assunto, quanto nós e nossos ouvintes iremos perder! Creio que certamente não somos dos que não pregam a cruz.
A nossa mensagem e assunto podem ser bons.
Todavia, não temos a experiência de ter uma mensagem boa e, ainda assim, ser incapazes de dispensar vida a outros? Deixe-me ressaltar que uma vez que a mensagem que pregamos é importante, se ela não pode dar vida a outros, a nossa obra é quase totalmente vã. Deveríamos lembrar que o objetivo da nossa obra é dar vida às pessoas. Pregamos a morte substitutiva da cruz para que Deus dê a Sua vida aos que crêem. Se as pessoas são incitadas ou estimuladas ou até se arrependem e concordam com o que pregamos, mas não têm a vida de Deus nelas, de que adiantará  isso?  Elas  podem  mostrar-se  simpáticas exteriormente, mas não são salvas. Portanto, a nossa meta não é fazer as pessoas se arrependerem por si mesmas nem influenciá-las em sua mente, mas dispensar a vida de Deus a elas para que tenham vida e sejam salvas. Até mesmo ao pregar as verdades mais profundas ou tentar ajudar outros a compreender a verdade sobre a co-crucificação, o mesmo princípio permanece verdadeiro. É fácil fazer com que as pessoas saibam e entendam o que pregamos. Também não  é  difícil fazer com que  outros aceitem nossos ensinamentos em sua mente. Qualquer cristão com um pouco de conhecimento pode entender se você lhe explicar os assuntos de modo suficientemente claro. Entretanto, se desejar que ele ganhe vida e poder e que experimente o que você prega, não existe outro caminho a não ser o de Deus dispensar a mais rica vida a ele, por seu intermédio. Deveríamos saber que nossa única obra é ser canais da vida de Deus, comunicando vida ao espírito dos outros. Portanto, mesmo que o assunto ou a mensagem que pregamos sejam bons, ainda necessitamos descobrir se somos ou não canais adequados para Deus transmitir vida ao interior das pessoas.

O PRÓPRIO PAULO
A mensagem pregada por Paulo era a cruz do Senhor Jesus Cristo. A sua mensagem não era em vão, pois ele era um vivo canal de vida. Ele gerou muitos por meio do evangelho da cruz. O que ele pregava era a palavra da cruz. Sobre ele mesmo, disse que estava "em fraqueza, temor e grande tremor". Ele era um homem crucificado! Somente um homem crucificado pode pregar a palavra crucificada. Ele não tinha confiança em si próprio e não confiava em si mesmo. Fraqueza, temor, tremor, ser esvaziado da autoconfiança, considerar-se totalmente inútil: essas são as características de um homem crucificado. Ele disse: "Estou crucificado com Cristo" (Gl 2:19b) e "Dia após dia, morro!" (1 Co 15:31). Somente um Paulo morto poderia pregar uma palavra sobre crucificação. Se não houvesse morrido de modo real, a vida da morte do Senhor não poderia ter fluído dele. É fácil pregar a cruz, mas não é fácil pregá-la como um homem crucificado. A não ser que alguém seja uma pessoa crucificada, ele não pode pregar a palavra da cruz e não pode dar a outros a vida da cruz. Rigorosamente falando, a não ser que alguém conheça a cruz, na experiência, ele não é digno de pregar a cruz.

A MANEIRA COMO PAULO PREGOU SUA MENSAGEM
A mensagem de Paulo era a crucificação. Ele próprio era um homem crucificado e pregou a cruz à maneira da cruz. Era um homem da cruz, pregando a mensagem da cruz com o espírito da cruz. Muitas vezes o que pregamos é a cruz, mas a nossa atitude, as nossas palavras e nosso sentimento não dão a impressão de que pregamos a cruz! Muitas pregações sobre a cruz não são feitas no espírito da cruz! Paulo disse: "Eu (...) fui ter convosco, anunciando-vos o testemunho (mistério)[1] de Deus, não o fiz com ostentação de linguagem ou de sabedoria". Aqui o mistério de Deus refere-se à palavra da cruz. Paulo não pregou a cruz com excelência no falar ou sabedoria. "A minha palavra e a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder". Esse é o Espírito da cruz. A cruz é sabedoria para Deus, mas loucura para o homem. Ao pregar a palavra dessa loucura, deveríamos ter a aparência de "loucura", a atitude de "loucura" e o falar de "loucura". Paulo obteve a vitória porque era de fato um homem crucificado. Ele pregava a cruz com o espírito da cruz e a atitude da cruz. Os que não têm experimentado a crucificação não serão preenchidos com o espírito de crucificação, e não são dignos de pregar a palavra da cruz.
Após ver a experiência de Paulo, não nos diz ela a razão de nossas falhas? A mensagem que pregamos pode ser boa, mas deveríamos examinar-nos à luz do Senhor: somos realmente homens crucificados? Com que tipo de espírito, palavra e atitude pregamos a cruz? Possamos humilhar-nos diante dessas questões para que Deus tenha misericórdia de nós.
Não nos referimos aos que pregam um "evangelho diferente". Falamos apenas acerca dos que pregam "o evangelho da graça de Deus". A palavra não é incorreta, nossa mensagem não é má; todavia, por que os outros não ganham vida? Isso deve ser por causa da falha do pregador! É a pessoa que está errada, e não a palavra que perdeu o poder.
É o homem que tem obstruído o fluir da vida de Deus, e não a Palavra de Deus que tem perdido a eficácia. Quando o homem que prega a cruz não possui, ele mesmo, a experiência da cruz nem o espírito da cruz, não pode dispensar aos outros a vida da cruz. Não podemos dar a outros o que não temos. Se a cruz não se torna a nossa vida, não podemos dar a vida da cruz a outros. A deficiência do nosso serviço advém de gostar de dar a cruz a outros sem perceber que não a temos em nós. Os que são bons em pregar a outros, devem ser bons em pregar primeiro a si mesmos. Caso contrário, o Espírito não cooperará com eles.
Embora a mensagem que pregamos seja importante, não devemos enfatizar demais a mensagem e esquecer de nós mesmos. Podemos obter algum conhecimento dos livros sobre a palavra da cruz que pregamos. Podemos utilizar a mente buscando os seus muitos significados na Bíblia. Entretanto, todos eles serão emprestados; eles não nos pertencem. Os que têm mente esperta são mais perigosos que os demais. Um pregador pode colocar-se em maior perigo que outros, pois todo o estudo, leitura, pesquisa e ouvir pode ter sido feito para os outros e não para si mesmo. Ele pode laborar para os outros simplesmente para encontrar-se espiritualmente faminto! Podemos ouvir palavras profundas sobre os vários aspectos da cruz ou ler livros sobre os significados da substituição e co-crucificação. Se tivermos mente esclarecida, podemos mesmo ordenar adequadamente esses ensinamentos, de modo que, ao falar, desenvolvamos as coisas que ouvimos e pensamos de maneira muito clara e sincera, tendo tudo bem organizado e todos os pontos apresentados com clareza e os argumentos divididos nitidamente. Podemos levar os ouvintes a pensar que entenderam tudo.  Contudo, a despeito do fato de que tenham entendido tudo, não há um poder motivador que faça com que busquem ganhar o que compreenderam. Eles parecem pensar que entender as doutrinas da cruz seja suficiente. Eles param nas coisas que entenderam e não buscam obter o que a cruz lhes promete dar. Mesmo que o orador entenda o pensamento dos ouvintes, tenha voz audível e sincera, e insista que não tomem somente a doutrina, mas busquem ter a experiência, seus ouvintes podem ser incitados apenas naquele momento. Eles ainda não receberam vida; ainda têm somente a teoria, e não a experiência. Nunca devemos estar satisfeitos com nós mesmos e achar que a nossa língua "de prata" pode manobrar os ouvintes. Eles podem ficar emocionados no momento, contudo serão apenas considerações ou doutrinas que temos de dar-lhes? Ou precisamos dar-lhes vida? Sem dar vida ao homem, em nada contribuímos para sua espiritualidade. Qual é o proveito de dar ao homem somente considerações ou doutrinas? Que esse conceito seja profundamente incutido em nosso ser para que nos arrependamos da inutilidade da nossa obra passada!
A razão por que ninguém ganha vida pela nossa pregação da cruz é que: 1) nós mesmos não temos a experiência da cruz, e 2) não fazemos uso do espírito da cruz para pregar a palavra da cruz.

(Mensagem pregada por Watchman Nee em Kulongsu, Amoi, em 15 de janeiro de 1926, Extraída do livro A CRUZ)

Esta mensagem pode ser usada, impressa, republicada, mas qualquer que seja o uso deve-se citar a fonte.
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[1] Alguns manuscritos antigos trazem mistério como variante de testemunho (IBB-Rev.) (N.T.)

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